Por que ouvimos cada vez mais rádios e podcasts?
Escrito por Redação Máxima FM 90,9 em 16/09/2020
Não é de hoje que o rádio é companheiro das pessoas. Desde seu surgimento, na década de 1920, o dispositivo tem acompanhado gerações. Com a ascensão da TV e, depois, da internet, sua morte foi precocemente anunciada inúmeras vezes, mas ele seguiu conversando com qualquer pessoa que procure por uma voz que fale no seu ouvido.
Em 1984, Roger Taylor, baterista do Queen, escreveu “Radio Gaga” — uma homenagem ao rádio, seu companheiro de “noites adolescentes”. Na canção, Taylor pede para que o dispositivo não desapareça: “Fique por perto / Porque nós podemos sentir sua falta / Quando nos cansarmos de todo esse visual”. Promessa cumprida. Em 2020, quando o isolamento social traz “intoxicação por excesso de videoconferência”, discutem-se “políticas de redução de danos” por causa do cansaço da quarentena e a solidão é tratada como “epidemia” no mundo, o rádio e o podcast — seu filho prodígio — voltam a ganhar a atenção das pessoas que procuram conteúdo e a sensação de companhia, sem precisar passar mais tempo olhando para uma tela.
Uma pesquisa do Kantar Ibope Media, divulgada em março, revelou que 71% dos brasileiros afirmaram ouvir a mesma quantidade de rádio ou mais após as medidas de isolamento social, enquanto 20% disseram ouvir muito mais rádio após o início da quarentena; já o consumo de podcasts mais do que dobrou em 2020, segundo o Spotify. Mas vale ressaltar: apesar da aceleração na pandemia, o rádio cresce desde 2018 e o podcast já havia crescido 67% no Brasil em 2019.
Um dos principais motivos para o crescimento do rádio, do podcast e da mídia sonora é o afeto — ou melhor, a sensação de companhia que o áudio é capaz de reproduzir. Ingrid Cancela, psicóloga que trabalha com a TopMed, uma empresa de atendimento à distância, acredita que, em tempos de isolamento, ouvir outras vozes é o mais próximo que podemos ter de contato com outras pessoas sem sair de casa. “A voz cria identificação afetiva. Do ponto de vista cognitivo, o som trabalha mais com a ideia de proximidade, enquanto as imagens têm mais ruídos e elementos que distraem”.
Há vários razões para que assim seja. “Quando o som é decodificado pelo nosso cérebro, primeiro ele passa por regiões ligadas à emoção e à memória. Só depois ele é interpretado pela razão”, explica Júlia Albano, doutora em comunicação e semiótica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e autora do livro “Rádio – a oralidade mediatizada”. A audição é um dos primeiros sentidos que desenvolvemos, ainda quando somos fetos. “O primeiro é o tato. Já com oito semanas de gestação, o embrião possui as primeiras enervações no corpo”, diz Norval Baitello Jr., doutor em ciências da comunicação pela Universidade Livre de Berlim e professor no programa de pós-graduação da PUC-SP. “Já a audição é uma especialização do tato, que também passa a funcionar com poucos meses de gestação. O feto sente um mundo de sons ininterruptos, o coração da mãe batendo forte do seu lado, os movimentos intestinais, a voz da mãe ressoando internamente”, explica. Em alguma medida, a audição nos remete a esse conforto dos tempos de ventre. “Nossa audição nos reconforta. Cria-se uma protomemória do som como aconchego. Ele é quente, úmido. Estimula o corpo. O som, portanto, tem uma história presente na nossa ontogênese”, diz Baitello.
Outra razão para o crescimento do consumo de conteúdo por áudio é a fadiga das imagens visuais. “Estamos cansados de ver as mesmas coisas todos os dias. De um tempo para cá, com a evolução da tecnologia, tudo é muito visual. Hoje, o ouvir se torna um diferencial. Fechar os olhos e parar para escutar acaba sendo menos cansativo muitas vezes”, defende Cancela. É claro que, do ponto de vista prático, o áudio também tem vantagens. É possível ouvir um podcast ou programa de rádio enquanto lavamos louça, dirigimos ou escrevemos um texto. Mas não podemos fazer o mesmo com um programa de TV ou filme.
O descanso para os olhos também estimula a imaginação. “Enquanto a imagem visual dá possibilidades restritas, com a informação já mastigada pelos recursos visuais, o som da voz, da trilha musical, dos efeitos sonoros etc, excitam mais a imaginação”, afirma Albano. É por isso que, mesmo que as rádios e podcasts também deem as caras no YouTube, o áudio mantém sua aura.
O fato é que estamos cada vez mais ouvindo rádios, podcasts e até mesmo assistentes de voz — em um mundo que parece caminhar para a superação da tela. Buscamos escutar mais vozes que nos trazem notícias do mundo externo para dentro de casa. Mas será que também estamos sendo ouvidos? Para Baitello, sim, estamos — mas não afetivamente. Estamos sendo ouvidos a partir de nossos dados. As plataformas digitais sabem nossas carências, nossas demandas, o que fazemos e ao que somos suscetíveis. Só que isso tudo é transformado em publicidade”.
Texto: Kaluan Bernardo
Colaboração para o TAB , site UOL.